O Duende da MerceariaPágina 1 / 4
Era uma vez um estudante, um autêntico estudante; vivia num sótão e não possuía nada. E era uma vez um merceeiro, um autêntico merceeiro; vivia no rés-do-chão e era dono do prédio inteiro. E foi por isso que o duende decidiu morar com o merceeiro. Além disso, todos os Natais recebia uma tigela de papa de aveia com um grande pedaço de manteiga lá dentro. O merceeiro tinha posses para isso, de maneira que o duende continuava a morar na loja. Há por aqui algures uma moral, se a procurarem bem.
Uma noite, o estudante entrou na mercearia pela porta das traseiras para comprar um pedaço de queijo e velas. Fez as compras e depois pagou, e o merceeiro e a mulher acenaram-lhe com a cabeça e disseram «boa noite». A mulher, contudo, era bem capaz de fazer mais do que acenar; era muito faladora — falava, falava, falava. Tinha o que se chama o hábito de falar pelos cotovelos, disso não havia dúvida. O estudante também fez um aceno — e foi nessa altura que viu qualquer coisa escrita no papel que embrulhava o queijo e parou para ler. Era uma página de um velho livro de poemas, uma página que nunca devia ter sido arrancada.
— Tenho aqui mais desse livro, se quiser — disse o merceeiro. — Dei a uma velhota alguns grãos de café por ele. Pode ficar com o resto por seis dinheiros, se estiver interessado.
— Obrigado — respondeu o estudante. — Dê-mo em vez do queijo. Passo bem só com pão. É uma pena usar um livro destes para papel de embrulho! O senhor é muito boa pessoa e bastante prático, mas percebe tanto de poesia como aquela banheira ali ao canto.
Ora isto foi uma frase indelicada, especialmente aquela parte respeitante à banheira, mas o merceeiro riu-se, e o estudante também; afinal de contas, fora apenas uma brincadeira. Mas o duende ficou aborrecido por alguém se atrever a falar assim com o merceeiro — ainda por cima o senhorio, uma pessoa importante que era dono do prédio todo e vendia manteiga da melhor qualidade.