O Trigo MouriscoPágina 1 / 2
Muitas vezes, após uma trovoada, ao passar-se por um campo de trigo mourisco, pode ver-se como ficou todo chamuscado. É como se o fogo tivesse passado por ele e o camponês dá-nos a explicação seguinte: "Foi um raio!" Mas porquê? Pois vou contar-lhes o que disse a um pardal um velho salgueiro que se encontrava perto dum campo de trigo mourisco e ainda lá está. É um salgueiro grande e venerável, mas enrugado e velho, um pouco rachado ao meio, com uma fenda onde crescem ervas e sarças. A árvore está um pouco tombada para a frente, e os ramos pendem para o solo, como se fossem uma longa cabeleira verde.
Em toda a volta havia campos de cereal, de centeio, de cevada e de aveia, a bela aveia que, quando está sazonada, parece um enorme bando de pequeninos canários amarelos pousados num ramo. Os cereais são assim uma bênção de Deus e quanto mais pesados estão, mais baixos se inclinam em humildade.
Mas havia também um campo de trigo mourisco, bem perto do velho salgueiro, que não queria nunca inclinar-se como os outros cereais; sempre se mantinha direito, orgulhoso e altivo.
— Sou tão rico como a espiga de trigo — disse ele. — Sou, além disso, mais bonito. As 15 minhas flores são tão belas como as da macieira, e é um regalo olhar para mim e para a minha floração. Conheces algo de mais belo, velho salgueiro? O salgueiro abanou a cabeça, como quem diz "pois claro que conheço", mas o trigo mourisco inchou de orgulho e exclamou: — Árvore estúpida, tão velha estás que te crescem ervas na barriga!
Então rebentou uma terrível trovoada. Todas as flores dobraram as folhas ou inclinaram as cabeças, enquanto passava a trovoada sobre elas. Só o trigo mourisco continuava com a cabeça erguida, no seu orgulho.
— Abaixa a cabeça, como nós! — disseram as flores.
— Não tenho nenhuma necessidade disso! — respondeu o trigo mourisco.
— Abaixa a cabeça como nós! — gritou o trigo. — Vem aí o Anjo da Tempestade! Tem asas e com elas alcança tanto o céu lá em cima como a terra cá em baixo. Pode ceifar-te sem teres sequer tempo de pedir-lhe mercê.