A água da vidaPágina 2 / 3
Passados muitos dias sem que os irmãos voltassem, o mais moço foi pedirlicença ao pai para ir buscar a Água da Vida. O rei não queria consentir, mas foiobrigado a ceder ante suas insistências. O jovem príncipe montou em seu cavaloe partiu; quando encontrou o anão na floresta ele, que era delicado e amável,deteve o cavalo dizendo: “Vou em busca da Água da Vida, o único remédio quepode salvar meu pobre pai, que está à morte.” “Sabes onde se encontra?”perguntou o anão. “Não.” “Pois já que me respondeste com tanta amabilidadevou te indicar o caminho. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro queestá à frente, vira à esquerda e segue até uma encruzilhada; aí segue ainda àesquerda. Depois de dois dias encontrarás um castelo encantado: é no pátio deleque se encontra a fonte da Água da Vida. O castelo está fechado com umgrande portão de ferro maciço, mas basta tocá-lo três vezes com esta varinhaque te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leõesenormes prestes a se lançarem sobre ti para te devorar; atira-lhes estes doisbolos para apaziguá-los. Aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água deVida antes que soem as doze badaladas, senão o portão se fecha e tu ficarás lápreso.”O príncipe agradeceu gentilmente, pegou a varinha e os dois bolos e sepôs a caminho, e conforme as indicações chegou ao castelo. Com a varinhamágica bateu três vezes e o imenso portão se abriu; ao entrar os dois leões searremessaram contra ele de bocas escancaradas, mas atirou-lhes os dois bolos enão sofreu mal algum. Porém antes de se dirigir à fonte da Água da Vida nãoresistiu à tentação de ver o que havia no interior do castelo, cujas portasestavam abertas: galgou as escadas e entrou. Viu uma série de salões grandes eluxuosos. No primeiro, imersos em sono letárgico, viu uma multidão defidalgos e criados. Sobre uma mesa estava uma espada e um saquinho de trigo;pressentiu que lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo. Indo de um salão aoutro, no último deu com uma princesa de rara beleza, que se levantou e disseque, tendo conseguido penetrar no castelo, destruíra o encanto que pesavasobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento sócessaria mais tarde. “Dentro de um ano, dia por dia, se voltares aqui serás meuesposo”. Depois lhe indicou onde estava a fonte da Água da Vida e se despediu,recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes do relógioda torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse exacto momento osportões se fechariam. O príncipe percorreu em sentido inverso todos os salõespor onde passara, até que viu uma belíssima cama com roupas muito alvas erecendentes; cansado que estava da longa caminhada deitou-se para descansarum pouco e adormeceu. Felizmente mexeu-se e fez cair no chão a espada quecolocara a seu lado, despertando com o barulho. Levantou-se depressa: faltavaum minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher umfrasco com a água preciosa e fugir. Ao transpor os batentes da entrada soou orelógio dando meio-dia; o portão se fechou com estrondo e tão rápido queainda lhe arrancou uma espora.No auge da felicidade por ter conseguido a água que salvaria seu pai eansioso por se ver no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. Na florestaencontrou o anão no mesmo lugar, o qual vendo a espada e o saquinho de trigodisse: “Fizeste bem em guardar este precioso tesouro. Com essa espadavencerás sozinho o mais numeroso exército, e com o trigo desse saquinho terástodo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo.” O príncipe estava porémapoquentado com a desgraça dos irmãos, e perguntou se o anão poderia fazeralgo por eles. “Posso, ambos estão pouco distante daqui entalados em barrancosmuito apertados; amaldiçoei-os por causa de seu orgulho.” O príncipe rogouencarecidamente que os perdoasse e libertasse, e o anão cedeu às suas súplicas.“Mas te advirto que te arrependerás. Não te fies neles, são de mau coração;liberto-os apenas para te ser agradável.” Assim dizendo fez os barrancos seafastarem libertando os entalados, pouco depois reunidos ao irmão que osesperava. Muito feliz por tornar a vê-los o príncipe lhes narrou suas aventuras edisse que daí a um ano voltaria para desposar a maravilhosa princesa e reinarcom ela sobre um grande país. Puseram-se os três de regresso para casa.Atravessaram um reino assolado pela guerra, estando o rei desesperado depoder salvar-se e a seu povo. O príncipe confiou-lhe então o saco de trigo e aespada mágica, com os quais o rei derrotou os exércitos invasores e encheu osceleiros até o forro. O príncipe tornou a receber a espada e o saquinho de trigo eos três irmãos seguiram viagem, tomando um navio para encurtar o caminho.Durante a travessia os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes,começaram a conspirar contra o mais novo. “Nosso irmão conseguiu a Água daVida e nós não; com isso nosso pai o promoverá a herdeiro do trono quedeveria ser nosso e nada nos restará.” Então juraram perdê-lo. De noite quandoele dormia furtaram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por águasalgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas osobjectos desapareceram de repente.Chegando em casa o jovem correu para o pai e lhe apresentou o frascopara que logo sarasse. Mal engoliu alguns goles daquela água salgada o reipiorou sensivelmente. Estava se lastimando quando chegaram os mais velhos eacusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles porém traziam averdadeira Água da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu alguns goles pôde selevantar do leito cheio de vida e saúde como nos tempos da juventude. O pobrepríncipe, expulso da presença do pai, se entregou ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele rindo e mofando: “Pobre tolo! Tu tiveste todo otrabalho e conseguiste encontrar a Água da Vida mas nós tivemos o proveito;devias ser mais esperto e manter os olhos abertos, enquanto dormias a bordotrocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos se quiséssemos ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te contudo dereclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acreditaria; se disseresuma só palavra não nos escaparás, perderás a vida. Também não penses em irdesposar a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois.”O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o quiseraenvenenar. Convocou seus ministros e conselheiros e lhes submeteu o caso.Foram todos de opinião que o príncipe merecia a morte e o rei decidiu que fossemorto secretamente por um tiro. Partindo o moço para a caça sem suspeitar denada um dos criados do rei foi encarregado de o acompanhar e matar nafloresta. Chegando ao lugar destinado o criado, que era o primeiro caçador dorei, estava com um ar tão triste que o príncipe lhe indagou a razão: “Que tens,caro caçador?” “Proibiram-me de falar, mas devo dizer tudo.” “Dize então oque há, nada temas.” “Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos.” Opríncipe se sobressaltou mas disse: “Meu amigo, deixa-me viver. Dar-te-ei meusbelos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres.” “Damelhor boa vontade” disse o caçador. “É preciso que o rei julgue que executastesuas ordens senão sua cólera recairá sobre ti. Vestirei estas roupas feias e tulevarás as minhas como prova de que me mataste. Em seguida abandonareipara sempre este reino.” Assim fizeram.Pouco tempo depois o rei viu chegar uma embaixada faustosa do reivizinho incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes emagradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. Diantedisso o rei se pôs a reflectir: “Meu filho seria inocente?” e comunicou aos que oserviam: “Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivessevivo ...” Encorajado por estas palavras o caçador revelou a verdade. Disse ao reique o bom príncipe estava vivo mas em lugar ignorado. Imediatamente o reimandou um arauto proclamar por todo o país que considerava o filho inocentee que desejava imensamente sua volta. Mas a notícia não chegou ao príncipe;encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver comoum filho de rei.Nesse ínterim a princesa do castelo encantado que ele livrara do sortilégiomandara construir uma avenida toda calçada com chapas de ouro maciço epedras preciosas que conduzia directamente ao castelo, explicando aos seusvassalos:“O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar; virá agalope bem pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas.” Com efeito, dia pordia, um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão maisvelho achou que podia se apresentar como sendo o salvador e receber aprincesa por esposa. Vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pedrariasnão quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza que já consideravasua e fez o animal passar pelo lado direito. Quando chegou diante do portão edisse ser o noivo da princesa todos riram e depois o correram de lá a chicote.Pouco tempo depois veio o segundo príncipe, e vendo todo aquele ouro e jóiaspensou que seria um pecado arruiná-los; fez o cavalo galopar pelo ladoesquerdo e se apresentou como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sortedo irmão mais velho: foi corrido a chicote. Findava o ano estabelecido e oterceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e a seulado esquecer as mágoas. Pôs-se a caminho pensando só na felicidade de tornara ver a linda princesa; ia tão embebido que nem sequer viu que a estrada estavatoda coberta de pedras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio daavenida, e quando chegou diante do portão do castelo este lhe foi aberto de parem par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo. Dentrou em pouco apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que oacolheu cheia de felicidade e declarou a todos que ele era seu salvador e senhordaquele reino. As núpcias foram realizadas imediatamente em meio aesplêndidas festas.Terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela lhe contou que seu paio havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo. Acompanhado da rainhasua esposa ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo que se passara: como foratraído pelos irmãos e como estes o obrigaram a se calar. O rei, extremamenteirritado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença afim de receberem o castigo merecido, mas vendo suas maldades descobertaseles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aíesconderem sua vergonha. Não o conseguiram. Sobreveio uma tremendatempestade que tragou o navio e eles pereceram miseravelmente.